7 de setembro de 2018

Não somos semideuses; somos gente, e gente erra

Quando apontado como falso moralista ou hipócrita, preocupo-me em encontrar discursos moralistas ou fundamentalistas que tenha espalhado por aí, pois, é disso que temo. Não somos perfeitos, e não precisamos ser. Cá pra nós, mas, de hipócrita, todos nós temos um pouco. 

O evangelho é proposto não para os que se acham 'santos', mas, para quem entende que é dependente, e precisa de perdão e acolhimento. Jesus sempre criticou o falso moralismo dos religiosos (fariseus e mestres da lei), porque estes achavam que tinham aval para sair condenando tudo e todos. O episódio da mulher adúltera desnudou todos, inclusive nós, a olhar sempre pra si mesmo antes de apontar erros alheios. Não que devamos fazer vistas grossas com erros alheios (exortai-vos uns aos outros), mas, devemos compreender que também falhamos o tempo todo. 

Rui Barbosa, ao escrever que o homem chega a desanimar-se da virtude, e ter vergonha de ser honesto; o apóstolo Paulo ao confessar que o bem que deseja fazer, não faz, mas o mal que tanto repudia, esse ele pratica; e tantos outros, em confissões de fraqueza de caráter, relevam algo que precisamos lembrar sempre: somos imperfeitos, tentando aperfeiçoar a si mesmo e ao mundo a nossa volta. Nessa empreitada, é preciso cautela, para não cair nos extremos, de um lado os radicais que encarnaram a própria hipocrisia a ponto de não enxergar mais seus parópios erros e imperfeições, apontam erros alheios e gritam condenações por aí; de outro lado, a acomodação diante das próprias imperfeições, como se elas fossem inquestionáveis e imutáveis - questione-se e mude. 

O poema de linha reta de Fernando Pessoa é fiel em retratar uma sociedade de "bons modos", das máscaras e de pessoas que parecem boas, mas escondem-se atrás de fantasias. Longe de mim ser uma persona modelo, íntegra em tudo, de bom caráter sempre, inerrante, dentro dos padrões de uma sociedade de semideuses, como relata Pessoa. Confesso que também erro, e preciso de reparações constantes. 

Confira o POEMA EM LINHA RETA - Fernando Pessoa
POEMA EM LINHA RETA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das 
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

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